É PRECISO PLANTAR

Antero Machado, nasceu em Moçambique

É preciso plantar

mamã

é preciso plantar

é preciso plantar

nas estrelas e sobre o mar

nos teus pés nus e pelos caminhos

é preciso plantar

Marcelino dos Santos

ACONTECIMENTO - PAZ

Anselmo Pelembe, nasceu a 15 de outubro de 1977 em Maputo, Moçambique

sobre as espigas trémulas

os pássaros migram

para os meridianos virgens

do eu rosto no vento

a densidade da boca

Luís Carlos Patraquim

A FONTE 2

Manuel Júlio, nasceu a 1957 em Mansoa, Guiné Bissau

Nós, príncipes de Baboque

Bem amados,

Pelo sangue

Oriundos daquele Rei,

Daquele que é Rei dos Reis;

Nós que vimos do seu Reino,

De todos o mais poderoso e vasto,

Como o Reino de Baçarel.

André Baticã Ferreira

AMAR

Maio Coopé, nasceu a 20 de dezembro de 1962 em Bissau, Guiné Bissau

Amar

É o mesmo que eu escrever

Docemente,

Amargo,

Mas incompleto.

Agnelo Regalla

DESEJOS

David Levy Lima, nasceu a 13 de outubro de 1945 em Santo Antão, Cabo Verde

Queria desabrochar

- flor rubra -

do chão fecundado da terra

ver raiar a aurora transparente

ser r'beira d'julion

em tempo de são João

nos anos de fartura d'espiga d'midje

E ser

riso

flor

fragrante

em cânticos na manhã renovada

Vera Duarte

CONTRASTE

Bitim D'Nhose, nasceu em 1937 no Mindelo, São Vicente, e faleceu na mesma cidade em 1984, Cabo Verde

A minha alma trema em tuas mãos

debruçada na varanda desta tarde

Silêncio da cor em teus contornos

o adeus do mar dentro de mim

Para além do ilhéu dos pássaros da ilha

o sol morre aos poucos devagar

A minha alma treme em tuas mãos

debruçada na varanda desta tarde

Yolanda Marazzo

POEMA SUJO

Aldemir Martins, nasceu a 8 de novembro de 1922 em São Paulo e faleceu na mesma cidade a 5 de fevereiro de 2006. Brasil

menos que escuro

menos que mole e duro

menos que fosso e muro: menos que furo

escuro

mais que escuro:

claro

como água? como pluma?

claro mais que claro claro: coisa alguma

e tudo

(ou quase)

um bicho que o universo fabrica

e vem sonhando desde as entranhas

azul

Ferreira Gullar

VOU-ME EMBORA PARA PASÁRGADA

Alcy Xavier, nasceu a 1933 em Paranaguá, Brasil

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

Manuel Bandeira

CANÇÃO SINGELA

Daniel Adão, nasceu a 24 de novembro de 1973 em Luanda, Angola

gosto do vasto perfume do churrasco,

de música baixa, da noite

medonha sobre o mar, de

silêncios longos como o pensamento,

de amar-te ao acordar,

não gosto da falta de inteligência, da

intolerância,

de acordar cedo, de almôndegas

fritas, de ver passar, pálidas e inchadas,

certas grávidas aflitas.

João Melo

NUM BAGO DE ROMÃ...

Dalila, Dalila Soares, nasceu a 18 de outubro de 1954 em N'Dalatando, Angola

num bago de romã

morre

um fogo-fátuo errante,

furando a rocha

à luz duma tocha

fumegante...

num bago de romã

vejo macabras ortigas

de mim,

uma vez loiras espigas:

sombras de mim

e do que serei...

um bago de romã encerra

tudo que na terra

semeei...

Tomaz Kim

OH! LIBERDADE

Timor leste

Se eu pudesse

pelas frias manhãs

acordar tiritando 

fustigado pela ventania

que me abre a cortina do céu

e ver, do cimo dos meus montes, 

o quadro roxo

de um perturbado nascer do sol

a leste de Timor 

Xanana Gusmão

ROTA

Vitor Alves, Timor leste

Não sei se o mar tem voz

Mas a sua voz

Desde pequeno me falava lento.

E eu via nele

O que não existia na memória.

Ninguém sabia

De meus avós e bisavós

Se era quadrado ou redondo

Se tinha vida ou não.

Fernando Sylvan

ÉBANO

Guilherme Carvalho, nasceu a 31 de maio de 1970 em S.Tomé, S. Tomé e Princípe

Noite sem lua no deserto que comprime 

a exatidão das coisas

paradoxo ambíguo de solidão estática do astro 

inigualável

noite de breu no areal sem fim 

do eterno além-fronteira

onde o nada vive acorrentado à esfinge 

da nossa escuridão

flutuam estrelas mas a lua 

não vem na mesma rota 

das quimeras

escondeu o rosto na lagoa 

onde perpétuo repousa 

o despertar inviolável 

da nossa cor de ébano

Olinda Beja

A ÁFRICA É NOSSA

Edilson Chong, nasceu a 16 de março de 1984 em Almeirim, S.Tomé, S. Tomé e Príncipe

Filhos! a pé! a pé! que é já manhã!’

Esta África em que quem quer dá co’o pé

Esta negra África escarumba, olé!

Não a q’eremos mais sob o jugo de alguém,

Ela é nossa mãe!

Marcelo Veiga

AUTOPSICOGRAFIA

Álvaro Lapa, nasceu a 31 de julho de 1939 em Évora e faleceu a 11 de fevereiro de 2006 no Porto, Portugal

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama o coração.

Fernando Pessoa

LEMBRANÇAS DE MORRER

Gomes Martins, nasceu a 1922 em Setúbal e faleceu a 1994 na mesma cidade, Portugal

“...Eu deixo a vida como deixa o tédio 

Do deserto, o poento caminheiro, 

- Como as horas de um longo pesadelo 

Que se desfaz ao dobre de um sineiro; 

Como o desterro de minh’alma errante.

Álvares de Azevedo

FOMOS DENUNCIADOS

Gemuce, nasceu em 1963 em Quelimane, Moçambique

fomos denunciados

apanhados no escuro

por sabermos apenas

como se faz o esperma  

mas onde a coragem

para mais geometria

que o triângulo das pernas

o mastro do navio?

Lourenço de Carvalho

POETA ATIRADO AOS BICHOS

Francisco Xavier Menezes, nasceu a 26 de fevereiro de 1969 em Maputo, Moçambique

Meu amor:

Nem tu percebes ainda o bater

ansioso dos tendões nos afinados

motores bem mainatos passando a ferro

o capim debaixo das obscenas chapas

na maquilhagem embelezando

a escarlate as picadas.

José Craveirinha  

UMA CARTA

Luís Lacerda, nasceu a 06 de julho de 1955 em Bolama, Guiné Bissau

Excelentíssimo senhor 

como faltam sete noites 

para a lua se pôr

eu lhe digo que a coisa não está nada bem

Mas como a enxurrada 

de bombolons não é ouvida

por outro lado os difuntos não sossegam

Digo-lhe ainda

as novidades de vossa excelência 

fazem meu corpo arrepiar 

não posso deixar de amassar filijamba 

naquele inferno rejeitado

só se encontra coisa ruim

Respício Nuno

MANTENHAS

Luis Balata, nasceu a 16 de março de 1963 em Bissau, Guiné Bissau

Mantenhas da luta tenho!...

Mantenhas, para quem luta!...

E não só...

Mantenhas... são mantenhas

Tenhas ou não participado...

Mantenhas trago para ti

Mantenhas de quem o povo serviu

Mantenhas de quem, sendo simples

Grandemente o povo serviu.

Tony Tcheka

SONHOS Á SOMBRA

Bitim D'Nhose, Humberto Tourinho Monteiro nasceu a 1937 no Mindelo e faleceu em 1984, Cabo Verde

Ó sonhos que estais à sombra

não estais decerto moribundos

quando

simplesmente à sombra estais

anónimos ao ombro da noite

Ó sonhos que estais à sombra

não sois decerto sombrios

quando à sombra

nos rios do escuro crepúsculo

navegais

José Luiz Hopffer Almada

AS IRREVOGÁVEIS TREVAS

Bela Duarte, nasceu em S. Vicente, Cabo Verde

Alguns ligeiros dias virão

o engano na voz dos homens

o bafo sombrio dos anunciados astros

semeando o anoitecer

nos acerados campos de setembro

homem despido de razões

a quem nem a subornável malícia

dos deuses consente o duvidoso consolo

de um maio sangrando às mãos da geada

José Luís Tavares

O NOME DO GATO ASSEGURA MINHA VIGÍLIA

Aldemir Martins, nasceu a 8 de novembro de 1922 em Aurora e faleceu a 5 de fevereiro de 2006 em S.Paulo, Brasil

O nome do gato assegura minha vigília

e morde meu pulso distraído

finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos

e patas emergentes. Mas onde repousa

o nome, ataque e fingimento,

estou ameaçada e repetida

e antecipada pela espreita meio adormecida

do gato que riscaste por te preceder e

perder em traços a visão contígua

de coisa que surge aos saltos

no tempo, ameaçando de morte

a própria forma ameaçada do desenho

e o gato transcrito que antes era

marca do meu rosto,  garra no meu seio.

Ana Cristina Cesar

EM QUE SE CONSIDERA A VIDA COMO SEMELHANTE À LAVRA DA TERRA

Alcides Cruz, nasceu a 15 de outubro de 1913 em Rio de Janeiro e faleceu a 15 de dezembro de 1986 em Rio de Janeiro, Brasil

A terra é dura; o sol é bravo; a geada,

destruidora; aves más e más formigas

assolam tudo, e a planta acarinhada

mal resiste a essas forças inimiga.

Que importa! Lavra sempre. Não maldigas

a terra ingrata. Não maldigas nada.

Talvez um dia o preço das fadigas

brote do sulco da robusta enxada.

Amadeu Amaral

CRUZAMENTO

Coutinho, Jacinto Coutinho João, nasce a 1964 em Banga, Kwanza Norte, Angola

só havia o dia e a noite escura,

o dia translúcido de brancura sem mácula,

a noite negra qual luto cerrado.

um dia o sol olhando a noite disse:

- porquê és tão escura?

a noite verteu uma lágrima sentida

e nada disse.

Rui Burity da Silva

LIÇÃO DE GUERRA

Cibelo Morais, nasceu a 30 de março de 1964 em Luanda, Angola

dignidade do homem (avida)

parte alegre da guerra

repartimos

aspartes

do corpo

para construção dos corpos

que não

sobre ombrem

mais

smith(s)   voeter(s)

idos e tombados

se erguem

em cada libertado

Jorge Macedo

DADOLIN

Pintura de Timor leste

Ao filho viajante

Esteira de tais

Chumaço de raízes

Esteira de tais

Eugénio

SIMU NETIK

Pintura de Timor leste

Simu netik kabas lahan kmesak ne’e

Nu’u hirik lahan ida kesi namutuk,

Atu uma kain buras iha kolun buras iha rahun

Buras mos iha domin Maromak.

Eugénio

SONHOS MEUS

Edgar Gomes, nasceu 18 de setembro de 1970 em S. Tomé, S.Tomé e Príncipe

Baía morena 

da nossa terra 

vem beijar 

os pézinhos agrestes

 das nossas praias sedentas,

 e canta, 

baía minha 

os ventres inchados 

da minha infância, 

sonhos meus, 

ardentes da minha gente pequena 

Alda do Espírito Santo

EQUATORIAES

Castilho, Felisberto da Graça Castilho nasceu a 19 de novembro de 1969 em S.Tomé, S. Tomé e Príncipe

Ó rainha do equador

Mimosa filha de Deus!

És d'África o esplendor

A estrela dos líbios céus!

Teu rosto que o Criador,

Formou com tão sábia mão,

Embora de baça cor

É o primor da criação

Almada Negreiros

GÉNESE

Alcínio Vicente, nasceu em Aldeia do Bispo, Sabugal, Portugal

Os búzios eram nas trevas 

nas trevas brilharam olhos

os olhos rasgaram águas

as águas encheram ventres

os ventres criaram filhos

os filhos comeram terra

a terra deu logo bichas

as bichas pariram bichos

os bichos pejaram ruas

nas ruas nasceram casas

das casas saíram braços

os braços treparam muros

os muros prenderam bocas

as bocas disseram vozes

as vozes gritaram gritos

os gritos tornaram vozes

as vozes passaram muros

dos muros vieram braços

os braços ruíram casas

as casas fizeram ruas

nas ruas havia bichos

os bichos furaram terras

das terras surgiram filhos

os filhos só tinham ventres

os ventres traziam água

a água tapou os olhos

os olhos ficaram trevas

nas trevas cantaram búzios.

António Aragão

A GENTIL CAMPONESA

Óscar Almeida, nasceu a 1951 em Luanda, Portugal

És tu que não tens maldade, 

És tu que tudo mereces, 

És, sim, porque desconheces 

As podridões da cidade. 

Vives aí nessa herdade, 

Onde tu foste criada, 

Aí vives desviada 

Deste viver de ilusão: 

És como a rosa em botão, 

Tu és pura e imaculada.

António Aleixo

PAISAGEM COM POEMA...

Eugénio Saranga, nasceu a 23 de setembro de 1971 em Maputo, Moçambique

Tantos nomes que não há

para dizer o silêncio».

Através das palavras, as que sobraram

dos outros e se encurvam à luz

edificámos a casa, flores alucinantes

e a canganhiça do fogo eterno

que há no amor.

Heliodoro Baptista

MEIA NOITE

Eugénia Mussa, nasceu a 14 de agosto de 1978 em Maputo, Moçambique

Era dia

mas nas minhas

mãos claras

esfolhava

meia-noite

quando

de súbito

deparo-me

com uma página

invulgar

quarenta, suponho

era a Ana,

o Lourenço

e o Armando

não o Artur

mas como ele

falavam

literatura...

especificamente

poesia.

Quem diria!

Domi Chirongo

A LUTA É A MINHA PRIMAVERA

Lilison, Januário Tomás Sousa Cordeiro, nasceu a 28 de fevereiro de 1959 em Bolama, Guiné Bissau

Mãe África

Vexada

Pisada

calcada até às lágrimas

confia e luta

e um dia a África será nossa…

Vasco Cabral

AH MEU GRITO

Lemos Mamadjan Hipólito Djata, nasceu a 26 de março de 1981 em Bafatá, Guiné Bissau

Ah meu grito de revolta que percorreu o mundo

que não transpôs o mundo

o Mundo que sou eu !

Ah ! meu grito de revolta que feneceu lá longe

Muito longe

Na minha garganta !

Na garganta mundo de todos os Homens 

Amílcar Cabral

POEMA DO MAR

Bela Duarte, nasceu em S. Vicente, Cabo Verde

O drama do Mar,

O desassossego domar,

sempre

sempre

dentro de nós!

O Mar!

cercando

prendendo as nossa Ilhas!

Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,

Roncando nas areias das nossas praias,

Batendo a sua voz de encontro aos montes,

baloiçando os barquinhos de pau que vão

por estas costas...

Jorge Barbosa

SALMO DE UMA NOITE DE SOLIDÃO

Basa, Basílio Lima Diogo, nasceu a 1967 em S. Vicente, Cabo Verde

O vento

é harpa

sob os negros dedos

desta negra noite

é música fúnebre

em meus versos partidos

amortalhados na noite

é sinfonia macabra

nesta selva espessa de negrume e silêncio

         nem rubros contornos

         nem cânticos de aves

— apenas o vento na harpa e na selva!

João Rodrigues

POEMA 27

Alberto da Veiga Guignard, nasceu a 25 de fevereiro de 1896 em Nova Friburgo e faleceu a 25 de junho de 1962 em Belo Horizonte, Brasil

O poema diz o que não sabe

e se transforma no que não é

e nunca será.

O poema esquece e se fere

nas palavras antigas

de um dicionário morto.

O poema exclama na voz do poeta

versos que não cabem numa estrofe,

canta o canto que não existe mais,

distante de seu tempo.

Álvaro Alves de Faria

AMOR

Aldo Locatelli, nasceu a 19 de agosto de 1915 em Villa d'Almè e faleceu a 3 de setembro de 1962 em Porto Alegre, Brasil

Amemos! Quero de amor 

Viver no teu coração! 

Sofrer e amar essa dor 

Que desmaia de paixão! 

Na tu’alma, em teus encantos 

E na tua palidez 

E nos teus ardentes prantos 

Suspirar de languidez! 

Álvares de Azevedo

VADIAGEM

Chikukuango Cuxima-Zwa, nasceu em Luanda, Angola

Naquela hora já noite

quando o vento nos traz mistérios a desvendar

musseque em fora fui passear as loucuras

com os rapazes das ilhas:

Uma viola a tocar

o Chico a cantar

(que bem que canta o Chico!)

e a noite quebrada na luz das nossas vozes

Vieram também, vieram também

cheirando a flor de mato

- cheiro gravido de terra fértil -

as moças das ilhas

sangue moço aquecendo

a Bebiana, a Teresa, a Carminda, a Maria.

António Jacinto